In Rainbows começou com altas expectativas – após um hiato de 4 anos, com o lançamento em 2003 de Hail to the Thief, se esperava muito do novo álbum do Radiohead. Após o incrível sucesso de Kid A (incrível considerando o caráter experimental do álbum) – que reúne composições emocionantes e inesperadas em relação ao estilo anterior do grupo, como Idioteque, Motion Picture Soundtrack e How to Disappear Completely – era esperado que o Radiohead continuasse na mesma linha, inovando cada vez mais e criando outros álbuns memoráveis. Amnesiac, de 2001, entretanto, era uma extensão de Kid A, e Hail to the Thief era mais um álbum que reciclava tudo que o Radiohead havia feito antes (o que não obrigatoriamente é ruim, porque copiar a si mesmo é algo válido) do que uma continuação do experimentalismo quase transcedental de Kid A e da homogeneidade de Ok Computer, de 1997.
Antes de ser comentado na mídia por seus atributos musicais, entretanto, In Rainbows chamou a atenção por seu esquema de distribuição: a banda colocou o álbum em seu Site, para ser comprado pelo preço que cada um quisesse pagar. Obviamente, foi um fenômeno, que mudou as expectativas da indústria quanto à distribuição pela Internet.
Após ouvir algumas vezes o álbum, cheguei a conclusão que ele guarda muito mais semelhanças com Ok Computer do que com qualquer outro álbum do Radiohead. In Rainbows tem a mesma unidade de Ok Computer – na qual nenhuma música fica deslocada do conjunto e todas têm a mesma importância para o resultado final -, a mesma preocupação com letras inteligentes e que discutem o papel do homem no mundo contemporâneo (e que possuem inúmeros significados) e a mesma atmosfera sombria e peculiar que faz do Radiohead uma das poucas bandas que sempre faz os fãs esperarem que o novo lançamento seja ainda mais espetacular que o antecessor.
O álbum começa com 15 steps, música que, provavelmente, abrirá os shows do Rio e de São Paulo dia 20 e 22. A versão do Grammy, aliás, que contou com a participação da USC Marching Band ficou ainda melhor que a do álbum. 15 steps, com seu ritmo contagiante e a frase “How come I end up where I started”, é um aquecimento para Bodysnatchers, na qual Thom Yorke se pergunta sobre o que é o século XXI enquanto prepara uma canção que parece calma, mas termina em uma verdadeira catarse.
Nude tem uma atmosfera perfeita, que lembra o mistério e a beleza de Motion Picture Soundtrack. A letra, triste (“Don’t get any big ideas / they’re not gonna happen”), é cantada por Thom Yorke com a introspecção de sempre, e o ritmo da música lembra um pouco a delicadeza de No Surprises.
Weird Fishes/Arpeggi é uma música que parece, inicialmente, ser apenas uma transição entre a calma de Nude e a sobriedade de All I Need. Entretanto, conforme Thom Yorke vai soltando a voz e se envolvendo na performance, ela ganha uma força totalmente inesperada e, como a maioria das músicas do Radiohead, se torna facilmente reconhecível. All I Need tem o tipo de ritmo que deixa a letra em segundo plano, de tão harmoniosa que se apresenta logo na primeira vez que ouvimos. Mais uma vez, o final é maravilhoso (característica dominante em In Rainbows).
Faust Arp é uma música estranha. Melodia linda, letra enigmática e muito curta. Thom Yorke canta baixinho e emocionado, e, quando sua voz começa a aparecer mais e dominar a música, ela termina. Reckoner retoma o ritmo forte de 15 steps, e é mais uma música que termina melhor do que começa. A letra, linda (“Take me with you /Dedicated to all you / all human beings”), e a melodia gostosa de ouvir dão lugar a House of Cards que, mesmo longe de ser uma música ruim, é a menos interessante de In Rainbows.
Jigsaw Falling into Place é a música mais tradicional do álbum, uma canção de rock que não é tão característica da tristeza latente e do experimentalismo do Radiohead. Essa é a impressão inicial – depois, a música se torna tão a cara do Radiohead que não tem como confundí-la. E, por fim, vem a glória: Videotape, a música mais linda de In Rainbows. Se Motion Picture Soundtrack é a música dos momentos significativos da vida, essa é a canção para os momentos em que você não tem mais nada para esperar, nada para sofrer, só o vazio – e a vodka:
This is my way of saying goodbye
Because I can’t do it face to face
I’m talking to you before
No matter what happens now
You shouldn’t be afraid
Because I know today has been the most perfect day I’ve ever seen.
Embora grande parte da crítica tenha amado In Rainbows, muitos disseram que esse é o álbum mais “comercial” do Radiohead, o que não faz muito sentido. Faria se as músicas fossem mais simples do que as dos álbuns anteriores, o que não é o caso. O Radiohead, aliás, sempre foi um exemplo de banda que deixou para trás o preconceito de que músicas acessíveis precisam ser fáceis ou estúpidas, e que o público dito “médio” não compreenderia músicas com arranjos diferentes e letras profundas. Para ser simples, não é necessário ser simplório – e a beleza de In Rainbows está na facilidade com que as músicas cativam, nas melodias emocionantes, nas letras inteligentes e na atmosfera depressiva que faz o som do Radiohead ser tão característico e, ao mesmo tempo, tão fiel como uma tradução dos dilemas do mundo contemporâneo.
concordo, in rainbows é uma delícia de álbum. mas pra mim é quase um crime dizer que house of cards é a menos interessante das canções:
I don’t wanna be your friend
I just wanna be your lover
No matter how it ends
No matter how it starts
Care about your house of cards And I’ll deal mine
poucas letras são tão simples e intensas ao mesmo tempo..
Sou obrigado a concordar com quase tudo na resenha. Eles transformam uma letra quase folclórica de Weird Fishes (é uma lenda de Oxford, se não me engano) de uma forma que não perde nada de sua narrativa e pode ser apreciada sem ser entendida de uma única maneira.
Só faço uma ressalva. Do ponto de vista instrumental, o álbum está incrivelmente acessível. Não falo da bateria, que tem algumas viradas que um iniciante não faria, mas as guitarras e o contrabaixo aparentemente são fáceis. No entanto, isso não desconta nem um pouco a beleza inteira do álbum ;]
Poucas notas e muito expressividade. Isso sim é difícil de conseguir (especialmente hoje).